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Foto do escritorLeandro Waldvogel

O presente do trabalho - porque o futuro já está no passado. E como surfar esse maremoto.

Se você anda meio preocupado com o futuro do mundo trabalho, é melhor você passar a se preocupar com o futuro do “seu" trabalho. Porque o “futuro do trabalho” já é claramente o “presente do trabalho”. A pergunta é: você está preparado para surfar essa onda de oportunidades ou vai tomar um belíssimo caldo, engolir muita água e talvez se afogar?


Você está preparado para surfar essa onda de oportunidades ou vai tomar um belíssimo caldo, engolir muita água e talvez se afogar?

A preocupação sobre a mudança nas relações de trabalho habita a mente dos seres humanos pelo menos desde a Revolução Industrial do Século XVIII. Pelo menos! Se você ler sem muita atenção um texto de Aristóteles elucubrando sobre o futuro das relações do que hoje poderíamos chamar de "trabalho" na Grécia Antiga, poderia imaginar que se trata de um pensador “futurista" de nosso tempo. A verdade é que uma análise objetiva das grandes revoluções econômicas por que passou a humanidade comprovará que todas geraram mais emprego, mais renda, mais qualidade de vida do que havia antes. E também muito mais liberdade e espaço para a crítica dessas mesmas transformações.



As mudanças profundas a que temos assistido nessas duas primeiras décadas do Século XXI provavelmente não terão um resultado diferente: o Homo sapiens vai se adaptar a essas transformações e emergirá como uma espécie ainda mais forte quando passar o maremoto que sempre bagunça tudo aquilo que achamos que conhecemos.


O grande desafio do profissional contemporâneo é compreender as duas principais forças que estão bombardeando as relações de trabalho tradicionais e encontrar uma forma individual de se manter relevante diante delas. Estamos vivendo a transição de um mercado de trabalho baseado principalmente na troca de “tempo por renda” para uma troca de “valor por renda”. Isso é muito profundo e desafiador, mas também abre portas talvez nunca antes imaginadas para que uma quantidade inédita de pessoas possa ser líder de si mesma, atuando de forma única e criativa para conquistar seus próprios objetivos e contribuindo para o bem-estar de toda a sociedade.


A primeira dessas forças é a famigerada inteligência artificial. Todo mundo fala disso o tempo todo, virou o assunto da moda. E como todo assunto da moda, tornou-se tão banalizado quando despido de sentido. Todo mundo sabe que ela está por aí, mas ninguém sabe direito o que ela faz. Resumindo, mas sem fazer justiça à bela explicação de Elon Musk, a IA faz melhor do que nós tudo aquilo que fazemos sem pensar, tudo que fazemos no automático, mas ao que tudo indica ela nunca terá o que realmente nos define, o desejo de criar e explorar.



A Inteligência Artificial é um recurso extraordinário para substituir homens e mulheres em tudo aquilo que fazemos de forma repetitiva e que requer uma leitura não crítica do mundo. Uma moderna ferramenta da Microsoft, por exemplo, consegue prever exatamente qual será o resultado de milhares de combinações de misturas de fermentos para criar novas cervejas com sabores, texturas e estabilidade que levariam anos para serem produzidas. A mesma Microsoft desenvolveu uma geringonça para frigoríficos que reconhece exatamente as particularidades e imperfeições de cada animal, para cortá-lo e desossá-lo sem qualquer envolvimento humano. E tem o exemplo mais óbvio de todos: hoje o trabalho mais importante de atendentes de contact centers é a complexa tarefa de entender o que cada cliente deseja - a decisão sobre o que fazer já foi tomada muito antes do começo da interação, e está cristalizada em árvores de decisão tão amplas quanto rígidas. O trabalho do atendente humano é essencialmente compreender a demanda e repetir as decisões que ele já encontra prontas em sua tela. Com a capacidade da inteligência artificial de compreender de forma precisa tudo que dizemos, o trabalho repetitivo de milhões de atendentes de suporte ao cliente, sentados em baias desumanas em todos os cantos do planeta, já está totalmente obsoleto.


Mas ainda estamos muito longe de sermos substituídos pelas máquinas. Nunca vou me esquecer de um experimento a que assisti na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, em 2018. Um robô de última geração e dotado da mais avançada inteligência artificial para ser - como posso descrever? - um “equipamento autônomo” foi comandado a realizar algumas simples ações do dia-a-dia de qualquer um de nós. A primeira tarefa era pendurar um casaco. Na sala não havia cabides, mas havia cadeiras, corrimãos, beiradas… todos os lugares onde qualquer criança penduraria seu casaquinho caso não encontrasse um simples cabideiro. O super robô de milhões de dólares rodopiou pela sala, bateu na parede, apitou, parou, processou e… jogou o casaco no chão! O ato comezinho de pendurar um casaco no encosto de uma cadeira não pôde ser realizado pelo robô por uma razão nada simples: ele é um ato criativo. O robô seria capaz de pendurar centenas de casacos em centenas de cabides de forma mais rápida e eficiente que a maioria dos seres humanos, mas ele não foi capaz de resolver a aparentemente simples equação criativa de dar um uso diferente para os objetos que reconhecera na sala. O robô não soube criar um cabide onde havia um corrimão.


Se você quer se preparar para ser um profissional do nosso mundo, a primeira coisa que tem de entender é a humanização do trabalho. Humanizar, neste caso, não está relacionado a ser consciente, preocupar-se com o planeta ou estabelecer relações mais saudáveis e éticas com as outras pessoas. Neste caso, humanizar o trabalho quer dizer tornar o trabalho criativo. Encontrar soluções únicas para problemas únicos. Resolver os desafios que fogem dos scripts e códigos executados pelas inteligências artificiais, ter pensamento crítico e inovador para agregar algum valor a cada uma das ações de seu trabalho. Por enquanto, isso as máquinas ainda não fazem.


Você terá de alimentar sua mente com a maior quantidade possível de informações sobre o mundo e seu negócio, sobre as pessoas ao seu redor e aquelas que estão mais distantes e são diferentes de você. Terá de observar a realidade de forma ativa e consciente. E também terá de parar para pensar sobre tudo isso, para ter os valiosos insights que alimentam o pensamento criativo. Vivemos em uma era em que o acesso à informação é praticamente absoluto, mas o conhecimento inanimado, estampado em bilhões de páginas do Google, não serve para muita coisa. Ele só gera valor quando foge dos hard drives pelas telas coloridas que dominam nossas vidas e passa a se divertir nas imprevisível sinapses dos nosso cérebros. É aí que todo esse conhecimento pode se transformar em algo útil e desejado - e te transformar em um profissional relevante e cobiçado.



Talvez estejamos na Era da Informação. Mas a moeda mais importante em um mundo em que informação é commodity é a criatividade.


E, então, chegamos à segunda grande força que está transformando o mundo do trabalho: as relações de direct to consumer; ou, para evitar o inglês desnecessário, relações diretamente ao consumidor. Uma das maiores transformações causadas por empresas como Apple, Amazon, Microsoft, Facebook e Google foi a extraordinária possibilidade de facilitar que as pessoas se conectem entre si de forma direta e possam oferecer seus serviços e produtos sem a necessidade de convencer intermediários. Eu posso criar um novo dispositivo eletrônico revolucionário em meu computador sem sair de São Paulo, encomendar uma versão desse produto a fornecedores na Coréia sem pegar um avião, testar meu produto e oferecê-lo ao mercado mundial sem precisar de nenhum intermediário. Difícil, sim. Custoso, também. Impossível, de jeito nenhum. Totalmente factível hoje, em 2019.


O exemplo do meu dispositivo eletrônico imaginário é só um exemplo caricato. A realidade é bem mais simples e imediata. Quantas pessoas não oferecem seus serviços todos os dias pelo LinkedIn, quantas empresas não buscam fora de casa a inteligência que precisam para realizar projetos específicos.



A história é a seguinte: hoje temos valor quando somos conteúdos.


Conteúdo pode ser escrever um artigo para redes sociais, pode ser criar uma nova peça publicitária para um grande banco, mas também pode ser ensinar alguém a pendurar seu casaco no encosto de uma cadeira. Tudo que fazemos de forma única é um conteúdo. Ele pode ser abstrato ou “executável”, mas sempre um conteúdo.


E, atenção! O conteúdo do trabalho no nosso mundo tem de ser comunicado para gerar valor. O profissional do presente tem de ser criativo para não ser facilmente substituído por uma inteligência artificial, mas também tem de ser hábil para comunicar seu valor e ser consumido por quem precisa de seu pensamento inovador.


De forma rápida e acentuada, todos os agentes econômicos serão transformados em consumidores de conteúdos.


As empresas manterão os empregos apenas daquelas pessoas que oferecerem os conteúdos que o negócio necessita. Os profissionais inovadores consumirão os benefícios que a organização vai oferecer-lhes em troca dos conteúdos que suas mentes criativas produzirem. Cada vez mais, pessoas inteligentes vão oferecer suas desejadas ideias fora da hierarquia corporativa. Até mesmo a liderança já está sendo consumida do lado de fora das catracas que estabeleciam uma rígida fronteira entre o “dentro” e o “fora” de uma empresa. E tudo isso vai exigir que cada elo dessa cadeia produza narrativas que concretizem o valor do seu trabalho e consiga vencer o ruído ensurdecedor da sociedade em rede em que vivemos.


Humanização e comunicação. Essas são as duas características mais importantes do novo mundo do trabalho. Humanizar para ser criativo. Comunicar para transmitir o valor do seu trabalho. A equação é essa. E ela é fascinante! Mais uma vez a humanidade está diante de uma transformação, uma revolução que tira tudo do lugar que conhecíamos e chuta o Homo sapiens para fora de sua zona de conforto.



O reconfortante é que todas as vezes que fomos obrigados a sair da zona de conforto, construímos coisas extraordinárias, e mesmo que forma muito desigual, melhoramos a vida de todos os homens e mulheres deste planeta. Dessa vez não será diferente.


Leandro Waldvogel (contato@waldvogel.com.br) é autor, palestrante, coaching de alta performance e consultor de empresas. Foi diplomata, trabalhou para a Disney Co., professor de programas de MBA no Brasil e exterior. É especialista em storytelling aplicado ao mundo corporativo. www.waldvogel.com.br

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